Por Fernanda Goulart Moraes
Bacharel em Biotecnologia

A genética desempenha um papel central no desenvolvimento das características únicas de diferentes raças de animais domésticos, especialmente aquelas sem pelo. As raças sem pelo, como o Sphynx e o Xoloitzcuintli, são exemplos fascinantes de como mutações específicas moldam a aparência e o comportamento de nossos companheiros animais. Este artigo explora o histórico, as características físicas e as bases genéticas dessas raças, além de discutir como mecanismos genéticos levam a características únicas nos pets.
Genética em Raças Sem Pelo
A ausência de pelo em animais é frequentemente associada a mutações em genes responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção dos folículos pilosos. Em gatos, como o Sphynx, a mutação ocorre no gene KRT71, que codifica uma proteína envolvida na estrutura do folículo piloso. Essa mutação afeta o crescimento normal do pelo, resultando no fenótipo quase sem pelos característico dessa raça.
Já em cães, o gene FoxI3 desempenha um papel fundamental. A mutação nesse gene, associada à Displasia Ectodérmica Canina (CED), não apenas causa a ausência de pelos, mas também problemas dentários como oligodontia (dentes ausentes ou malformados). Essa mutação é transmitida de maneira autossômica dominante e pode ser semi-letal em homozigotos, causando complicações no desenvolvimento dos filhotes.
Sphynx
O Sphynx surgiu no Canadá, na década de 1960, como resultado de uma mutação espontânea em gatos domésticos. A raça foi formalizada e ganhou popularidade devido à sua aparência exótica e ao temperamento afetuoso. Desde então, o Sphynx tem sido estudado não apenas por sua aparência única, mas também por questões de saúde específicas relacionadas à ausência de pelo.
Apesar de sua aparência de "sem pelo", o Sphynx geralmente apresenta uma fina camada de penugem, quase imperceptível ao toque. Sua pele é macia e quente devido à ausência de isolamento térmico natural proporcionado pelos pelos. Eles possuem corpos musculosos, orelhas grandes e olhos expressivos. O comportamento é conhecido por ser amigável, curioso e muito próximo aos humanos, sendo frequentemente descritos como "gatos de colo".
O fenótipo sem pelo do Sphynx é causado por uma mutação recessiva no gene KRT71, que afeta a formação da bainha interna do folículo piloso. Estudos genéticos confirmaram que essa mutação é única em comparação com outras raças, como Devon Rex, que também possuem mutações no mesmo gene, mas resultam em pelos curtos e ondulados.
Além disso, o Sphynx apresenta predisposição a condições de saúde genéticas, como a miopatia hereditária felina e a cardiomiopatia hipertrófica, associadas a mutações em outros genes. A cardiomiopatia, por exemplo, tem sido vinculada a variantes no gene ALMS1, que afeta a homeostase celular e o metabolismo energético.
Xoloitzcuintli
O Xoloitzcuintli, ou Xolo, é uma das raças mais antigas das Américas, remontando a mais de 3.000 anos. Considerado sagrado pelos povos pré-colombianos, como os astecas, o Xolo era usado em rituais religiosos e frequentemente associado ao deus Xolotl, simbolizando proteção espiritual e guia para o pós-vida. Evidências arqueológicas, como cerâmicas e ossos com características distintas, confirmam a presença de cães sem pelo em várias regiões do México desde o período Pré-Clássico (1500 a.C. – 200 d.C.).
Os Xolos são conhecidos por sua pele lisa e quente, que compensa a ausência de pelos. A raça apresenta um corpo esguio e musculoso, com orelhas eretas e um comportamento calmo e reservado. Uma característica marcante é a oligodontia, ou seja, ausência de dentes, que frequentemente acompanha a mutação genética associada à ausência de pelos.
O gene FoxI3 é o principal responsável pela ausência de pelos nos Xolos. A mutação, de herança autossômica dominante, afeta o desenvolvimento do folículo piloso e dos dentes, resultando em cães com pele nua e dentes ausentes ou malformados. Curiosamente, filhotes homozigotos para essa mutação geralmente não sobrevivem devido a problemas congênitos, o que destaca o impacto da genética na reprodução e saúde da raça.
A diversidade fenotípica em animais domésticos é moldada por mutações genéticas que afetam características como cor, comprimento do pelo e estrutura corporal. Por exemplo:
- Mutação no gene KRT71: causa ausência de pelo no Sphynx e alterações na textura do pelo em raças como Devon Rex.
- Mutação no gene FoxI3: resulta em Displasia Ectodérmica Canina, levando à ausência de pelo e problemas dentários nos Xolos.
- Gene FGF5: influencia o comprimento do pelo em gatos e cães, sendo responsável por variações como pelos longos ou curtos.
Essas mutações, muitas vezes selecionadas por criadores ao longo de gerações, resultam em fenótipos desejados, mas também podem trazer problemas de saúde, como maior susceptibilidade a doenças de pele e sensibilidade térmica. Isso ressalta a necessidade de um manejo genético responsável para evitar complicações.
Raças sem pelo, como o Sphynx e o Xoloitzcuintli, representam exemplos fascinantes de como a genética influencia as características físicas e a saúde dos animais. Enquanto a mutação no gene KRT71 molda a aparência única dos Sphynx, a mutação no gene FoxI3 define os Xolos, ilustrando a complexidade e a beleza da genética. A comparação com outras raças que não possuem essas mutações permite não apenas avaliar a funcionalidade biológica desses genes, mas também explorar questões sobre domesticação, evolução e os impactos da seleção artificial conduzida pelos humanos ao longo de milhares de anos
Referências
1. Gandolfi, B., et al. The naked truth: Sphynx and Devon Rex cat breed mutations in KRT71. Mammalian Genome, 2010.
2. Manin, A., et al. Can we identify the Mexican hairless dog in the archaeological record?. Journal of Archaeological Science, 2018.
3. Goto, N., et al. The Mexican Hairless Dog, its Morphology and Inheritance*. Experimental Animals, 1987.
4. Meurs, K., et al.A deleterious mutation in the ALMS1 gene in the Sphynx cat*. Orphanet Journal of Rare Diseases, 2021.
5. Paw Print Genetics. The Genetics of Hairlessness, 2020.
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